Home Destaque SAMBA DE NOEL REGISTRA PENÚRIA QUE O BRASIL VIVE HOJE .ARTIGO Dom Cardoso

SAMBA DE NOEL REGISTRA PENÚRIA QUE O BRASIL VIVE HOJE .ARTIGO Dom Cardoso

SAMBA DE NOEL REGISTRA PENÚRIA  QUE O BRASIL VIVE HOJE .ARTIGO  Dom Cardoso

Sinônimo do samba é Noel Rosa, considerado o maior sambista da história da MPB por quase todos os autores, ao compor pela primeira vez, influenciado pelos “Turanos da Maurícéia”, que trouxeram na bagagem para o Rio de Janeiro, a famosa embolada “Pinião” e o cantor “A patativa do Norte, Augusto Calheiros. Ele escolheu uma embolada e, na segunda investida, ficou no campo sertanejo, que era a moda do momento, criando a toada “Festa no Céu.

   Mas, veio o “crash” da Bolsa de Nova York, em 1929, e, a crise que atingiu em cheio a economia e que mudou a ordem econômica e política no Brasil. A crise de 1929 trouxe graves problemas para a economia do nosso país, muito dependente das exportações de um único produto, o café. Além da queda nos preços, a crise provocou uma diminuição da renda e do consumo no mundo todo, prejudicando ainda mais as vendas do então “ouro negro brasileiro”.

    O país entrou em penúria e o samba ganhou Noel Rosa para sempre, ao conhecer a metáfora musical feita por ele, “Com que roupa?” Agora vou mudar minha conduta/Eu vou pra luta pois eu quero me aprumar/Vou tratar você com a força bruta/Pra poder me reabilitar/Pois esta vida não está sopa e eu pergunto: com que roupa?/Com que roupa eu vou pro samba que você me convidou? Existem três versões na composição do samba “Com que roupa?”

   Noel explica ao seu tio Eduardo: que os versos procuram retratar, ainda que metaforicamente, um país ilhado na pobreza e na fome, com a miséria alastrando-se como praga. A vida já era difícil por aqui. Imagine agora, com o desmoronamento da Bolsa de Nova York, ameaçando não somente a economia do Brasil, mas, o mundo inteiro mergulhado numa crise dos diabos. E isto afeta um país à beira da indigência, desnudado pela penúria e maltrapilho, de tanga, que Noel fala em seu samba. 

  Com efeito seu tio protesta porque isso é coisa de política, com a seguinte expressão: “mas eu não sou bobo de ficar dizendo essas coisas por aí”.Outra versão: era uma gíria bastante usada no Rio de Janeiro, pelos malandros para demonstrar que estava sem dinheiro, na “pindaíba” numa pobreza de dá dó. Outra versão está numa carta confissão em que Noel afirma: “Com que roupa?”, samba que impressionou bastante, como se verifica pela sua difusão, a sensibilidade que vale a pena contar aqui, a título de curiosidade. 

   Aí Noel diz: “Foi um caso que se passou comigo mesmo. Com sangue de boêmio, eu passei a chegar em casa, em determinada época, a altas horas da noite ou pelamanhã do dia seguinte, ou as vezes três dias depois de ter saído de casa, principalmente quando eu fazia parceria com Cartola. Vinha de festas, ou serenatas, ou de simples conversas. Mas o fato é que essa vida, passada toda em claro, devia prejudicar a minha saúde. Foi o queaconteceu. Comecei a emagrecer. E a emagrecer assustadoramente. Adquirir umas olheiras dramáticas. “O que é isso, Noel, paixão incubada? perguntavam-me, eu sorria. Mas quem saisse assustava era minha mãe, dona Marta Medeiros. Pressentiu, antes que ninguém, o meu estado de saúde. E, dia-a-dia, renovava as suas advertências, os seus apelos, para que eu não demorasse meu tempo na rua, para que dormisse mais, que eu estava doente. Eu prometiaque sim. Mas a minha vontade era nula. E chegava, fatalmente, às mesmas horas com asmesmas olheiras e aquele emagrecimento progressivo, que estava alarmando todo mundo.

   Desesperada de conseguir a minha obediência pelos recursos da persuasão, minha mãe lembrou-se de um antigo recurso, mas cujo efeito é sempre eficaz. Assim é que escondeu todas as minhas roupas. Sem exceção. Fiquei desesperado. O pior é que, na véspera, mandaram que alguns amigos me viessem buscar, para irmos a uma festa. Os amigos não faltaram. Á noite, batiam lá em casa: “como é, Noel, vamos para o baile?” e eu, dentro do quarto: “mas com que roupa? Mal eu tinha acabado de soltar a frase, quando me ocorreu a inspiração de fazer um samba com esse tema. Daí o estribilho: “Com que roupa eu vou pro samba que você me convidou?”. 

   Foi um barulho. Todo mundo cantou. É assim que eu faço as minhas coisas. De um feliz casamento de música e verso, vem a força de “Com que roupa?”. Mas não foi esse o seu único triunfo. Há também a originalidade do tema, as rimas pouco usuais na canção popular, a construção técnica na qual o sexto verso do coro é uma espécie de chave, onde o verso funciona. como um breque, e “chama,” musicalmente, o estribilho. 

   Noel transpôs para a música popular a singularidade tão carioca de tratar com graça e irreverência os assuntos mais sérios, de escarnecer a própria desgraça. Neste samba, a crise econômica, o Brasil de tanga, converte-se numa sucessão de piadas. Enquanto se ri delas, pensa-se na tristeza que ocultam. Um pouco como na definição de George Bernard Shaw para o humor, segundo ele, “é qualquer coisa que se rir”. Mas o humor mais requisitado arrasta uma lágrima com a risada. “Com que roupa?” é um samba de 1929. Gravação do próprio Noel Rosa com o bando regional, na empresa Parlophon

  Em 1930, vendeu 15 mil cópias de 78 rotações – uma coisa extraordinária para a época. Noel é profético em “Com que roupa?”, que se ajusta ao momento e circunstâncias em que estavam naquela época vivendo (e quem sabe hoje?). A partir do grande sucesso no carnaval de 1930, “Com que roupa?”, tornou-se um bordão nacional. Por consequência Noel não ganhou o dinheiro merecido. Noel vendera os direitos do samba ao cantor e locutor Ignácio Guimarães e nada recebeu, além do que lhe foi pago na venda. O outro embolsou os polpudos direitos autorais. Noel foi sempre seu melhor interprete. Voz pequena, onde os versos eram contados com muita bossa. Pode-se até afirmar que Noel criou um estilo personalíssimo

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