Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta explosão de estelionatos no País e maior número de estupros da série histórica

 O número de registros do crime de estelionato foi de 1.819.409 casos em 2022, o que significa um crescimento de 326,3% em quatro anos nessa modalidade, aponta a 17ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgada na manhã desta quinta-feira, em São Paulo. Em relação a 2021, a elevação foi de 38%, o que indica uma média de 208 golpes a cada hora no Brasil.

O expressivo aumento dos casos de estelionato consolida uma nova dinâmica criminal, já esboçada nos primeiros meses da pandemia, em que criminosos migram das práticas comuns, e que envolvem mais risco, para o cometimento de crimes a partir de ambientes virtuais. Prova disso é que não foram apenas os números de estelionatos que aumentaram no período, mas também o número de roubos ou furtos de celulares (999.223), o que franqueia acesso a dados pessoais e financeiros. Ao mesmo tempo, outros registros de crimes contra o patrimônio caíram no período, taxa dos roubos a instituições financeiras (-21,9%), a estabelecimentos comerciais (-15,6%), a residências (-13,3%), de cargas (-4,4%) e a transeuntes (-4,4%).

“Os estelionatos cresceram muito ao longo dos últimos anos pela facilidade que esse crime oferece. O problema é que os golpes virtuais não respeitam fronteiras e podem gerar grandes ganhos financeiros, o que afeta as pessoas atingidas e as próprias polícias, que não estão ainda preparadas para enfrentar esse tipo de situação”, observa Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Essas novas modalidades criminais exigem maiores investimentos na Polícia Civil, que está sem concursos há vários anos, e que muitas vezes dispõe de pessoal mais velho e sem formação técnica para enfrentar casos que envolvem tecnologias de última geração. Isso dificulta muito o combate aos crimes virtuais”.

Maior número de estupros na história

O número de vítimas de estupros em 2022 foi de 74.930, o maior já registrado em toda a história. O crescimento sobre a base do ano anterior foi de 8,2%. Os dados correspondem ao total de vítimas que formalizaram denúncias em delegacias de polícia, o que faz pressupor uma expressiva subnotificação.

O número de estupros de vulnerável, que é quando a vítima tem menos de 14 anos de idade ou não tem condições de consentir, também foi o maior da série histórica, com 56.820 casos, enquanto os demais ficaram em 18.110 ocorrências. Mais de seis em cada dez vítimas estão na faixa de 0 a 13 anos (61,4%). Entre os números gerais de estupro, também fica claro que o inimigo mora dentro de casa, tendo em vista que 68,3% das ocorrências registradas foram nas residências das vítimas, e 9,4%, em vias públicas. Do total, 75,8% eram incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por outros motivos, como deficiência, enfermidade, etc.

No que se refere aos autores de estupros de vítimas de 0 a 13 anos, 86,1% são conhecidos delas, sendo 64,4% dos autores familiares. Quanto às vítimas de 14 anos ou mais, 77,2% dos agressores são conhecidos, e quase um quarto (24,3%) dos autores desses crimes são parceiros ou ex-parceiros íntimos. “É muito provável que parte significativa das notificações decorra de estupros de vulnerável iniciados e/ou ocorridos durante o lockdown, mas que só vieram à tona quando as crianças voltaram a frequentar as escolas”, observa Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “E esse cenário, infelizmente, não é uma exclusividade do Brasil”.

Pessoas negras continuam sendo as principais vítimas da violência sexual, mas a proporção cresceu. Se, em 2021, 52,2% das vítimas eram pretas ou pardas, no ano passado o percentual subiu para 56,8%.

O Anuário 2023 mostra que o volume de crimes contra as mulheres aumentou de um ano para o outro. A taxa de feminicídios cresceu 6,1% (1.437 casos), e os assassinatos de mulheres tiveram alta de 1,2% (4.034 casos). Sete em cada dez vítimas de feminicídio foram mortas dentro de casa.

Todos os indicadores de violência doméstica cresceram: em 2,9% a taxa de agressões por violência doméstica (245.173 casos); em 7,2% o número de ameaças (613.529 ocorrências). O número de chamados ao 190 foi de 899.485, o que corresponde a 102 acionamentos por hora, indicando um crescimento de 8,7% sobre a base do ano passado. O número de Medidas Protetivas de Urgência (MPU) concedidas foi de 445.456 em 2022 (crescimento de 13,7%).

O número de casos de assédio sexual registrados, em 2022, foi 6.114, o que configura um aumento de 49,7% em relação ao ano anterior. Já o crescimento de ocorrências de importunação sexual foi de 37,0% (27.530 casos).

Foram registrados, em média, 147 casos diários de stalking (total de 53.918 registros). Já os casos de violência psicológica foram 24.382 em 2022.

A violência contra crianças e adolescentes também aumentou. Cresceu em 14% o número de abandonos de incapaz, em 13,8% o de registros de maus-tratos, e, em 16,4%, a quantidade de ocorrências de exploração sexual infantil. Foram 22.527 crianças e adolescentes  vítimas de maus-tratos, de acordo com o número de registros de 2022. Do total de vítimas, 60% tinham entre 0 e 9 anos.

Redução das mortes violentas intencionais. Houve 47.508 vítimas de mortes violentas intencionais em 2022. Considerando-se a taxa de 23,4 por 100 mil habitantes, houve uma queda de 2,4% em comparação com 2021. Entre os homicídios, 76,5% foram cometidos com arma de fogo. Entre as vítimas de mortes violentas intencionais, 76,9% são negros; 50,2% têm entre 12 e 29 anos, e 91,4% são do sexo masculino.

As MVI são uma categoria criada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e agregam vítimas de homicídio doloso (incluindo feminicídios), roubos seguidos de morte (latrocínio), lesão corporal seguida de morte e mortes decorrentes de intervenções policiais. Esse número é o segundo menor da série histórica monitorada pelo FBSP, ficando atrás apenas de 2011.

O Nordeste, onde foi apurado decréscimo de 4,5% na taxa, puxa a queda nacional. No Sudeste (-2,0%) e no Norte (-2,7%) também foram registradas quedas. Houve crescimento no Sul (+ 3,4%) e no Centro-Oeste (+0,8).

O estado mais violento foi o Amapá, com taxa de MVI de 50,6 mortes por 100 mil habitantes, mais do que o dobro da média nacional. O segundo estado mais letal foi a Bahia, com taxa de 47,1 mortes por 100 mil habitantes. Na terceira posição figura o Amazonas, com taxa de 38,8 mortes por 100 mil. No outro extremo, as unidades da federação com as menores taxas de violência letal foram São Paulo (8,4), Santa Catarina (9,1) e Distrito Federal (11,3).

A taxa nacional de MVI é puxada pela violência na Amazônia Legal. Naquela região, a taxa é 54% superior ao resto do país. A taxa de 425 cidades da Amazônia Legal supera a média nacional. Nos municípios daquela região, a taxa é de 33,8 mortes por 100 mil habitantes, contra 21,9 dos demais municípios brasileiros.

Letalidade policial

Em 2021, foram registradas 6.430 mortes decorrentes de intervenções policiais, o que corresponde a 17 mortes por dia. Houve queda em relação a 2021, ano em que o número dessas ocorrências foi 6.524. Os três estados com maiores índices de letalidade policial são Amapá (16,6 por 100 mil), Bahia (10,4) e Rio de Janeiro (8,3).

A implantação do programa Olho Vivo, que acoplou câmeras aos uniformes dos policiais em São Paulo, pode ter puxado a taxa de letalidade policial para baixo. Em São Paulo, a queda, em números absolutos, foi de 570 para 419 mortes, de 2021 para 2022. O grupo de adolescentes e jovens com idade entre 12 e 29 anos é aquele em que se concentra a maior parte dos mortos em intervenções policiais, com 75% dos casos.

Vitimização policial

Em 2022, 173 policiais foram assassinados. Sete a cada dez desses profissionais morreram durante horário de folga.

Violência nas escolas

A 17ª edição do  Anuário traz um capítulo relativo à violência nas escolas, com dados sobre o tema. Em 2021, diretores de 1.295 escolas relataram situações de tiroteio ou bala perdida. Com base em dados extraídos da Prova Brasil, do Ministério da Educação e do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), o calendário escolar de 2021 (último dado disponível), foi interrompido durante vários dias por 6,2% das escolas do Rio de Janeiro e 2,4% das escolas do Amazonas, enquanto a média nacional de interrupção foi de 0,9%. O estado do Rio de Janeiro se destaca negativamente também na ocorrência de episódios de tiroteios ou bala perdida nas escolas: 13,5% (a média nacional é 1,7%). No estado, a escola é uma instituição quase 8 vezes mais perigosa de se frequentar, quanto ao risco de ser vítima do fogo cruzado entre polícia e criminosos, que nos demais estados do Brasil.

Armas

O descontrole na política de armas de fogo a partir de 2017, intensificado fortemente a partir de 2019, fez explodir a quantidade de armas em circulação. O número de registros ativos para as atividades de caçador, atirador esportivo e colecionador (CACs) foi multiplicado por 7 desde 2018, indo de 117.467 para 783.385.

Outra evidência do alargamento desse mercado é o crescimento de 147% no número de munições vendidas no mercado nacional, saindo de 170,2 milhões em 2017 para 420,5 milhões em 2022. É importante notar ainda que o crescimento no número de armas de fogo em circulação no país não se deu apenas entre os CACs. Em 2022, no Sinarm (Sistema Nacional de Armas), da Polícia Federal, havia 1,6 milhão de armas de fogo com registros ativos, crescimento de 4,6% em relação a 2021. Em 2017, esse número era de 637.972, o que significa aumento de 144,3% em relação a 2022.

Racismo, injúria racial e violência contra LGBTQIA+

Em 2022, houve crescimento de 67% dos casos de racismo e de 32,3% de crimes de injúria racial, o que denota aumento da demanda por acesso ao direito à não-discriminação.

Quanto aos dados referentes a LGBTQIA+ vítimas de lesão corporal, homicídio e estupro, persiste uma altíssima subnotificação. Em função disso, continua fundamental comparar os dados oficiais aos produzidos pela sociedade civil, nas figuras dos relatórios anuais da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) e do Grupo Gay da Bahia (GGB), que continuam contabilizando mais vítimas que o Estado, mesmo dispondo de menos recursos do que a máquina pública. A ANTRA contabilizou 131 vítimas trans e travestis de homicídio. O GGB contabilizou 256 vítimas LGBTQIA+ de homicídio no Brasil. O Estado apurou 163 homicídios, 64% do que contabilizou a organização da sociedade civil, demonstrando que as estatísticas oficiais pouco informam da realidade da violência contra LGBTQIA+ no país.

Queda das internações de adolescentes

As medidas socioeducativas em meio fechado vêm caindo em todo o país com mais força a partir de 2018. De um total de  24.510 adolescentes internados em 2018, chega-se a 12.154 em 2022 , o que significa uma queda de mais da metade: 50,4%.

De 2021 para 2022, ocorreu uma queda de 1.175 no número de adolescentes cumprindo medida socioeducativa em meio fechado no país, o que representa -6,3% no total de internações. De 2018 a 2022, o intervalo que apresenta maior decréscimo é entre 2019 e 2020, com variação negativa de 32,2%. No último período observado (2021-2022), a variação foi a menor até aqui. Observa-se a continuidade do fenômeno, mas com uma redução menos acentuada.

Desaparecimentos

Em 2022, houve 74.061 registros de desaparecimentos – crescimento de  12,9% em relação a 2021, média de 203 desaparecimentos diários. Do total de registros, 46,7% se concentram na região Sudeste. Os números são fortemente puxados pelo estado de São Paulo, que registrou 20.411 ocorrências. Em seguida figura a região Sul, com 22,3% do total, apresentando como destaque o Rio Grande do Sul, onde houve 6.888 ocorrências. A região Nordeste, por sua vez, concentrou 14,8% do total, seguida pelas regiões Centro-Oeste e Norte, que concentraram 9,7% e 6,5%, respectivamente.

A despeito de São Paulo concentrar quase 30% dos números absolutos dos registros de desaparecidos, é o Distrito Federal que se destaca quando se analisa a taxa por 100 mil habitantes. Com 83,3 por 100 mil, é a maior taxa do país e mais do que o dobro da nacional, que fica em 32 por 100 mil.

Prisões

O Anuário apurou que 832.295 pessoas estavam privadas de liberdade em 2022. O crescimento em relação ao ano passado foi de 0,9%. O cenário pouco mudou em um ano. Predominam pessoas de 18 a 34 anos (62,6% da população carcerária) e os negros (68,2%).

Houve crescimento proporcional expressivo do número de presos com monitoramento eletrônico nos últimos anos. Essa parcela, que correspondia a 2,2% do total em 2019 (16.821 indivíduos) passou para 11% em 2022 (51.897).

A fração correspondente à população prisional em programas de laborterapia hoje é de 19%.

Segurança Privada

O setor de segurança privada vivencia uma crise. Um total de 485.073 pessoas estão empregadas no setor. Houve redução de 10.916 postos de trabalho em um ano.

Despesas com Segurança Pública

Houve crescimento de 11,6% no volume de despesas com segurança pública de 2021 para 2022. A cifra foi de R$ 124,8 bilhões no ano passado, o que correspondeu a 1,26% do PIB. As despesas da União aumentaram 1,6% entre 2019 e 2022. As despesas das unidades da Federação (Estados e Distrito Federal) cresceram 5,3%. Os municípios aumentaram os investimentos em 8,1%.Como o maior contingente de pessoal está agregado nas polícias civis e militares brasileiras, os Estados são as unidades da federação responsáveis pela maior parte do financiamento da segurança pública. Dessa forma, em 2022, dos R$ 124,8 bilhões de gastos com segurança pública, R$ 101 bilhões tiveram origem nos cofres dos Estados e do Distrito Federal.

A íntegra do Anuário Brasileiro da Segurança Pública já pode ser conferida no link https://forumseguranca.org.br/anuario-brasileiro-seguranca-publica/

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**NOTA ACERCA DAS ESTIMATIVAS POPULACIONAIS USADAS COM CÔMPUTO DAS TAXAS POR 100 MIL HABITANTES

Para cálculo das taxas de homicídios para o país, regiões e segmentos etários para os últimos anos, foi necessário reestimar os totais populacionais – usados como denominadores das taxas – à luz dos resultados divulgados pelo Censo Demográfico de 2022. Até o ano passado, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública empregava as estimativas populacionais derivadas das projeções populacionais divulgadas pelo IBGE, como sempre o fez em sua longa série.  Assim, dentre várias possibilidades metodológicas de retroprojetar a população entre 2010 e 2022, optou-se por usar a mais simples e replicável: a interpolação linear entre os dois pontos extremos da série, para todo e qualquer contexto territorial e segmento demográfico.

 

Sobre o Anuário Brasileiro de Segurança Pública
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública se baseia em informações fornecidas pelos governos estaduais, pelo Tesouro Nacional, pelas polícias civil, militar e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública. A publicação é uma ferramenta importante para a promoção da transparência e da prestação de contas na área, contribuindo para a melhoria da qualidade dos dados. Além disso, produz conhecimento, incentiva a avaliação de políticas públicas e promove o debate de novos temas na agenda do setor. Trata-se do mais amplo retrato da segurança pública brasileira.

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